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Quando as cores se
apagam

Brasil é o país com a maior quantidade de depressivos da América Latina, a doença afeta desempregados

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Enquanto o corpo e a mente aguentaram eu fui trabalhando, eu não parei nenhum minuto

 

É assim que Maria, 39 anos, relata sua experiência na empresa em que trabalhava, antes de ser diagnosticada e afastada por depressão. A doença faz parte de sua vida desde a adolescência, quando ela começou a deparar-se com o quadro de instabilidade emocional da mãe. Mas, o diagnóstico veio mais tarde. Aos 30 anos, Maria ingressou em uma transportadora e foi contratada como auxiliar administrativa. Meses depois, veio a promoção e com ela, uma rotina diferente e o triplo de trabalho comparado ao que estava acostumada. O aumento da quantidade de atividades, no entanto, não a assustou inicialmente, afinal, ela sempre executou muito bem o seu ofício. Com o passar do tempo, as funções e as responsabilidades começaram a crescer, assim como a cobrança que a assolava.

 

Confira o radiodocumentário "Quando as cores se apagam" e entenda essa realidade:  

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Quando as cores se apagam - Radiodocumentário
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Eu sempre fui ansiosa, muito ansiosa. E essa ansiedade acabou aumentando proporcionalmente ao volume de trabalho. Isso começou a refletir dentro de casa, com muita impaciência, irritabilidade e um cansaço enorme  ,   diz Maria 

 

Ela já apresentava alguns sintomas de depressão, mas ainda não havia detectado. Maria não é a única que conviveu diariamente com os sinais da doença sem saber que a tinha. Segundo uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2017, 322 milhões de pessoas ao redor do mundo já haviam sido afetadas pelo problema de saúde mental. Essa realidade também foi vivida por João*, que mora numa cidade vizinha a de Maria.

 

“Não é algo que você percebe de imediato, não é igual ter gripe que você espirra e chega à conclusão que você tem gripe. Ou igual dor de cabeça que você sente sua cabeça latejando. É uma coisa que você chega à conclusão depois de meses. Eu, por exemplo, só descobri que eu tinha depressão depois de um ano e meio’’, ele relata com voz firme e tom despojado.

 

João passou um ano e meio com os mesmos sintomas, piorando a cada dia e passando por períodos de muita instabilidade. Mas, só percebeu que sua saúde mental poderia estar afetada quando detectou que ele culpava outras situações a sua volta para não chegar a conclusão de que o que ele tinha era depressão. João relata que se sentia em inércia: ‘’eu era demitido e culpava os outros por isso, ou às vezes eu não conseguia realizar algumas entregas no trabalho e também culpava os outros”.

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Acompanhe mais um relato de uma jovem que sofre com a depressão:

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Solange Fernandes, doutora em serviço social, explica que a doença faz com que o cérebro deixe de produzir algumas sinapses na captação dos hormônios da felicidade como dopamina, noradrenalina ou endorfina e dessa forma “as cores da vida se apagam”, diz.

Depressão leva ao desemprego?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2017, a depressão já afetava 5,8% da população brasileira, o que representa 11,5 milhões de pessoas, revelando o país como o maior em número de diagnósticos da América Latina. São diversas as causas que podem levar a um quadro de depressão e as consequências disso afetam em todas as áreas da vida pessoal, mas o trabalho é a principal delas.

“Eu precisava trabalhar e não deixava o cansaço me derrubar, eu não faltava nunca, se precisasse de hora extra eu fazia. Tinha dias que eu chegava 8 horas da manhã e saía meia noite. No outro dia eu estava lá às 8 horas da manhã de novo” diz Maria, que não abandonou sua função até chegar ao limite de seu esgotamento emocional. Posteriormente, no entanto, ela acabou sendo demitida. Assim como ela, aproximadamente 181,6 mil pessoas foram afastadas do trabalho no Brasil em 2015, constatou a pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). O mesmo estudo averiguou que o Sul foi a única região do país na qual o número de afastamentos do trabalho diminuiu entre 2005 e 2015. A estatística caiu de 29.886 pessoas desligadas do emprego, para 22.987, dez anos mais tarde. Solange Fernandes, ao analisar esses dados faz um questionamento:

 

Será que é o Estado que de fato teve uma redução ou foi o Estado que mais foi reprimido e que tem um conjunto de empresas extremamente conservadoras e muito exigentes?   , questiona Solange
 

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A doutora em serviço social afirma que o estresse é a segunda maior causa de morte no mundo. Isso se deve ao fato de que as pessoas estão chegando ao seu limite e o medo de perder o emprego faz com que elas não procurem tirar uma licença e passem a trabalhar doentes: “as pessoas têm medo de assumir que estão em depressão e não conseguir mais emprego’’. Essa preocupação muitas vezes concretiza-se. Solange explica que há uma exclusão notável com depressivo. “A pessoa não passa em testes e acaba descartada de ingressar em um novo emprego porque na hora da escolha de um funcionário as empresas não vão investir em alguém com a saúde mental debilitada”, explica.

O retorno das cores

A psicóloga e coach de carreiras Vera Mattos afirma que a atitude correta do empregador ao perceber um comportamento depressivo de seus funcionários é se colocar à disposição. “O empregador consciente, representado pelo gestor da pessoa, tem como responsabilidade conversar com o funcionário, ajudá-lo a entender o que está acontecendo e sugerir que procure a ajuda adequada”. Para Vera, o médico da empresa também pode ser um bom instrumento, pois esse tem mais entendimento da doença.

 

Em sua experiência profissional, a coach de carreiras explica que trabalhar visando apenas o ganho financeiro é um grande gatilho para a depressão, mas que isso não é o suficiente

para desenvolver a doença, é preciso possuir o componente químico, uma tendência a sofrer. “Quantas pessoas fazem o que não gostam e/ou são demitidas e não sofrem de depressão? Podem entristecer, ficar de mau humor, serem infelizes, mas não obrigatoriamente tornarem-se depressivas”.

 

A coach finaliza afirmando que o tratamento é extremamente importante para a recuperação e que manter as esperanças e o pensamento positivo na medida do possível é essencial. “Cerque-se de coisas boas, de pessoas boas. Depressão não é uma escolha, mas a mantermos em nossa vida é.”

* Foram adotados nomes fictícios para preservar a imagem dos entrevistados 

Como funciona o atendimento em Curitiba

Em Curitiba existem cinco vertentes de atendimento público para tratamento psicológico e psiquiátrico. A primeira é o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que consiste em uma rede integrada de serviços de saúde mental comunitários para pessoas que sofrem de sofrimento psíquico que demande cuidado e atendimento prolongado. Os CAPS não são unidades de emergência, porém podem ser acessados sem a necessidade de encaminhamento de Unidades de Saúde. A segunda á o Hospital do Dia, a que o paciente é encaminhado após avaliação do CAPS ou de Unidades de Saúde. É destinado para pacientes com casos mais graves. A terceira é o Hospital Psiquiátrico em que as vagas são liberadas  após avaliação e possuem cuidado integral para pacientes que apresentam riscos para si mesmos e para terceiros. A quarta são as UPAs, em casos de emergência. A quinta são os Ambulatórios de Saúde Mental, para quando há necessidade avaliação e acompanhamento especializado.

Confira no mapa o CAPS mais próximo a você:

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